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Carta a Ayrton Senna escrita por Aurora Brozzettii

Arquivo Pessoal de Aurora

Aurora Brozzettii, de apenas 19 anos, nascida e morando em Roma/Itália escreveu uma carta para Ayrton Senna. Transcrevo aqui abaixo a carta para apreciação de todos os fãs do nosso eterno Tri-campeão.

A Ayrton

“O maior presente que Deus pode dar é Ele mesmo.” Foi isso que, naquela manhã de 1º de maio de 1994, você leu ao folhear a Bíblia. Um homem de alma tremendamente sensível como a sua conseguiu entrar em contato com o destino, com o espírito de uma criatura divina na qual nem todos acreditam, mas que, crentes ou não, se pensa estar velando por nós.

Naquele dia, Ele sabia qual seria o seu destino e, para não te causar tanta dor — ou talvez para te preparar — te enviou aquelas palavras.

“É o próprio Deus.” Ayrton, acredita que hoje, para muitos, você está ao lado Dele, ou até mesmo o substitui? Como você era devoto a Ele, agora, você nem imagina a infinidade de pessoas devotas a você. É como se, repito, você tivesse tomado o lugar Dele.

A Igreja é um local onde os fiéis se reúnem entoando orações; aquela curva, o Tamburello, tornou-se sua igreja.

Nessa igreja não há paredes, mas uma grade. E sabe qual é a coisa curiosa? Uma simples grade é capaz de rasgar o peito de qualquer um que passe diante dela. Ayrton, esse lugar não sei te explicar, mas talvez nem seja preciso, porque estou mais do que certa de que você sabe mais do que eu. E digo isso porque, tendo estado lá, senti sua alma habitar aquele ponto, dominado por uma atmosfera de arrepiar.

Você jaz naquele lugar. É por isso que acredito que você saiba mais do que eu, que você saiba das infinitas homenagens feitas a você, das muitas bandeiras do seu país, das centenas de acessórios pendurados naquela famosa grade.

Sabe, entre eles, no dia 2 de maio de 2024, o meu também foi adicionado.

Naquele dia voltei lá, depois de já ter estado na manhã anterior para comemorar os trinta anos da sua morte, e num saquinho que depois pendurei, deixei um bilhete escrito:

“Se depois de trinta anos você ainda é venerado, declamado, lembrado, então aquela volta você completou. Sua corrida, você finalizou.”

Como disse antes, sua alma jaz naquele lugar. Tenho plena convicção disso pelo fato de que, quando voltei lá depois do 1º de maio, não havia ninguém.

E foi ali que decidi escutar o silêncio que reinava, concentrando-me ao mesmo tempo em outra coisa: o leve sopro do vento era a sua respiração, o silêncio nada mais era do que os seus olhos me observando, curiosos.

Gosto de imaginar você naquele momento, enquanto eu me concentrava em preparar o saquinho que penduraria depois junto aos outros, ali ao meu lado, de braços cruzados (posição que você costumava adotar na maioria das vezes), com um leve sorriso que deixava seu rosto angelical, longe do mal.

Você estava ali também no dia 1º de maio de 2024, quando às 14h17, na hora exata em que nos deixou trinta anos atrás naquele carro de corrida, começou a chover.

Ao contrário de você, eu não acredito na fé, mas a partir das 14h17 daquele dia, comecei a acreditar na existência das almas.

E não quero pensar que você chorava junto com todos nós, fãs que estavam ali para te lembrar, mas quero acreditar que aquela chuva que repousava sobre nossos corpos era, na verdade, sua mão sobre os ombros de cada um de nós, para nos sussurrar um simples “obrigado”.

Você foi uma alma incompreendida, muitas vezes.

Provavelmente porque da sua boca saíam verdades muito sinceras, das quais você não tinha o menor receio de escancarar, em contraste com aquelas que a covarde e ridícula FIA daquela época impunha — aquele sistema que você percebeu desde o início.

Mas veja, já me rendi ao fato de que as injustiças só acontecem com os bons. É assim, não há nada que se possa fazer: o dinheiro sempre prevalecerá, a inteligência ficará em segundo plano.

Apesar das injustiças, você lutou por um título, por não fugir como um covarde daquele sistema abominável que te cercava, mas sim, todas as vezes, subia no carro e dava o máximo de si.

Arquivo Pessoal de Aurora Brozzettii

Chegou a disputar uma corrida inteira em sexta marcha por causa de um problema no carro, e não se importou com os espasmos que teve no pescoço e nos ombros depois. Você ergueu aquele troféu com toda a força que tinha.

Essa é a verdadeira lição, muito mais do que palavras de professores nas escolas: basta assistir a um documentário seu, ler livros que contam sua história, se interessar pelas dinâmicas de certos acontecimentos da sua vida, que se extrai um enorme ensinamento.

Você não está mais aqui, e mesmo assim, me fez entender que, se você tem um projeto em mente, deve levá-lo adiante, avaliando as propostas dos outros, mas decidindo o desfecho com base no seu próprio pensamento.

Se você tem uma paixão, escalará montanhas, tomará decisões absurdas, mas mesmo diante das maiores dificuldades — como a morte de um amigo/piloto —, você suspirará e não desistirá.

Alma inocente, agora você reside em um lugar que presumo gostar bastante.

E me deixa feliz pensar que, naquele fatídico dia, Deus tomou aquela decisão com você apenas para que não precisasse viver no mundo de hoje: com certeza, os episódios são semelhantes à sua época, mas acredite em mim, no mundo hoje só reina o ódio, guerras e crimes, cada vez mais.

Não creio que isso deixaria um homem como você em paz. De fato, uma vez você disse: “a vida é muito curta para ter inimigos.”

Você sabia que hoje ninguém te escutaria? Te daria razão? Porque no mundo de hoje, todos são inimigos, em constante conflito com todos.

Caro Ayrton, já se passaram trinta anos desde que você deixou a Terra, mas sua lembrança é e continuará vívida. Você jamais será esquecido. Campeões nascem, morrem e, no seu caso, continuam sendo para sempre.

Aurora

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